Reforma: Alfaitaria na arquitetura

Interior de loja de moda com projeto de arquitetura de Marion Feldmann Arquitetura
Grandes maisons europeias de moda, com produção de peças como obras de arte para vestir, inspiraram o escritório Marion Feldmann Arquitetura a criar uma loja de grife com um produto que evoca o requinte do mármore (Fotos divulgação)

Uma analogia entre gerar um ambiente elegante e fluido para uma high fashion store, mas com uma desejável personalidade, seria a regência de uma orquestra voltada para fazer brilhar o solista. Esse foi o desafio das arquitetas Marion Feldmann e Julia Feldmann Graeff, respectivamente mãe e filha com escritório em Porto Alegre que trabalham juntas: “a palavra-chave é complementação”, conforme Julia. Para obter esse resultado no interior do sobrado, onde os materiais do espaço contracenam com as coleções, as duas especificaram para todo o piso da loja um produto que “remete à sofisticação do mármore com a resistência do porcelanato”, o Portobello Bianco Covelano 60x120cm natural retificado.

Interiores do sobrado transformado em loja
Toda a base do interior do sobrado tem a elegância do mesmo revestimento
Até a escada acompanha o piso
Até a escada acompanha o revestimento do piso

– O conceito era um plano de fundo neutro, elegante, com o foco nas peças de roupas criadas pela estilista. A cor fica por conta das coleções e o dinamismo das estampas. A fachada tinha que ser impactante na medida certa, uma “maison”, porque a marca começa a se comunicar pela fachada. Quando se tem uma fachada especialmente desenvolvida, automaticamente se cria uma expectativa elevada ao adentrar na loja, faz-se um convite para conhecer o interior. E, ao entrar, não podíamos decepcionar. O revestimento escolhido veio com este objetivo e esta responsabilidade – ressalta Julia, ao ensinar que tudo deve estar alinhado com os valores da marca, daí a importância das escolhas de cada material entre a gama de produtos desenvolvidos para projetos comerciais desde os quesitos de resistência e manutenção até o visual pretendido.

Da rua já é possível admirar o ambiente interno
Da rua já é possível admirar o ambiente interno da loja Angela de Xavier

O projeto resultou em uma atualização completa dos cerca de 400 metros quadrados do imóvel preexistente com ponto de venda, estoque, expedição, administração e área de convívio externa arborizada, com espaço para realização de eventos que aliam arquitetura, moda, paisagismo, literatura e psicanálise. Para sentir as necessidades funcionais e captar a essência da marca, a dupla de arquitetas fez várias visitas à fábrica para conseguir traduzir tudo no projeto. “Vivendo o cliente, as diretrizes de projetos automaticamente foram se esclarecendo: valores humanos, senso de humor, criatividade, ousadia, identidade e conexão verdadeira”, conforme a jovem arquiteta. No entanto, não era preciso muitas visitas ao local para sentir o potencial do espaço, que havia sido sede do escritório de arquitetura durante mais de 20 anos, “daí a importância deste projeto para nosso escritório”, destaca Julia.

Moda é arquitetura

No universo da inspiração para o projeto, ao percorrer a alta moda no mundo, o resultado foi a procura por “valorizar o feito à mão, a alfaiataria, o refinamento sutil, a pessoalização, a diferenciação e o link com a arte e a criatividade”. Faz parte do processo inspiracional e de atualização da dupla estar constantemente se abastecendo de referências visuais, participando de atividades culturais e fazendo viagens. A dupla admira o arquiteto Frank Lloyd Wright e chegou a conhecer suas obras e o ateliê em Chicago que “já foi algo incrível, mas a experiência mais transcendental foi a ida à Casa da Cascata (The Falling Water House) na Pennsylvania: a materialização das emoções em forma de arquitetura”, lembra.

– Tudo que nos encanta gera inspiração. Vamos nos apropriar de uma frase da Coco Chanel para fazer uma analogia com a forma de nos inspirarmos: “moda é algo que não existe somente nas roupas. A moda está no ar, nas ruas. Moda tem a ver com ideias, com a maneira que vivemos. Moda é o que está acontecendo”. O mesmo vale para arquitetura – analisa Julia.

Crédito: Lenara Petenuzzo, divulgação Legenda: Detalhe dos estofados remete ao sempre elegante p&b
Detalhe dos estofados remete ao sempre elegante p&b (Lenara Petenuzzo, divulgação)

Aprofundando mais a comparação entre as duas áreas, a arquiteta tira partido da genialidade de Chanel para criar e se expressar ao comentar sobre a experiência da atualização da casa entregue para ser transformada em “maison”:

– Como diz Coco Chanel novamente, “moda é arquitetura: é uma questão de proporções”. Esta cliente em especial nos proporcionou uma interação muito prazerosa e de constante troca nas questões de proporção, nuances de cores, criação de cantos e recantos. Angela Xavier produz toda sua roupa, desde a concepção, da modelagem, da escolha dos tecidos, aviamentos e do acompanhamento de toda a produção na fábrica – conta Julia, ao falar sobre o estilo deste projeto e das high fashion stories.

A caixa monocromática e as escolhas da iluminação reforçam o estilo da “maison”

A caixa monocromática e as escolhas da iluminação reforçam o estilo da “maison”        Ao resumir as principais soluções, a arquiteta enumera: “iluminação adequada, com provadores bem dimensionados, recantos de estar, categorização das peças, núcleos de looks, foco na experiência de compra e nas sensações porque, além de ficar bonito, o projeto executado tem que transmitir sensação de bem estar e a identidade da marca”. Julia diz que o “vasto estudo das marcas internacionais remeteram ao preto e branco”, marcante na apresentação da marca na fachada do sobrado.

O tamanho e a iluminação dos provadores confirmam o bem-estar com elegância proposto
O tamanho e a iluminação dos provadores confirmam o bem-estar com elegância proposto
O requinte começa na fachada
O requinte começa na fachada (Lenara Petenuzzo, divulgação)

A arquitetura da “casa metade”

Criado por Marion Feldmann há 30 anos, época em que o mercado do mobiliário e do décor crescia em Porto Alegre, junto com a procura pelos serviços de arquitetura, o escritório começou a operar com foco no mercado residencial. O crescimento orgânico se deu a partir dessas boas experiências iniciais. Os espaços dos negócios dos primeiros clientes – escritórios, consultórios, lojas e outras empresas – passaram a ser confiados ao escritório responsável pelo projeto da casa. Hoje os mercados residencial e corporativo/comercial caminham juntos.

Muito interessante é a forma organizada de operar do escritório, “uma tradição”, com o número de clientes ativo definido, conforme detalha a arquiteta Julia, que entrou para o escritório em 2008:

– O tamanho do escritório é o tamanho dos 10 turnos que compõem a semana: cada cliente ocupa um turno fixo, tem horário fixo semanal conosco durante todo o trabalho. A concepção do projeto é feita a quatro mãos, com a participação do cliente do início ao fim.

Apesar de ser Julia quem tem diploma de Psicologia, além de Arquitetura, a arquiteta Marion também tem uma visão muito afetiva da sua relação com os clientes. Por muito tempo, conforme Julia, mãe e filha denominaram o escritório de “casa metade”, metade gente, metade casa.

Mãe e filha, Julia Feldmann Graeff e Marion Feldman, cuidam dos clientes juntas
Mãe e filha, Julia Feldmann Graeff e Marion Feldman, cuidam dos clientes juntas

– Coloco nos trabalhos o que é mais precioso para mim, as pessoas e suas diferenças. Primeiro descubro as pessoas para depois traduzi-las nos seus ambientes. Não tem obra de arte mais valiosa nas casas do que as pessoas. Costumo ouvir muito os clientes nos primeiros contatos. Quando estabelecido o entendimento mútuo, faço com que eles se sintam fazendo os projetos. A metodologia é fazer arquitetura direcionada às pessoas e com sensibilidade colocar as coisas nos lugares certos, com criatividade, praticidade e humor. Ser prático é sugestão para ser criativo. Para cada cliente, crio um enredo próprio, uma parceria original. Cada projeto parece o primeiro, no prazer de criar e na emoção que me proporciona. Sinto que os desenhos que risco representam as pessoas. Diferentes clientes. Diferentes insights. Não tenho um estilo preferido, mas vários. Meu escritório foi criado com o intuito de dar uma impressão profunda das pessoas, de um ateliê de criação, um espaço cênico, empresarial e criativo, com um cenário de estar à vontade para pensar – conclui Marion.

Estilo provém até das sedes do escritório que, nos anos 1990, operou em uma casa tombada de autoria do arquiteto Theo Wiederspahn. “Neste cenário, o escritório se consolidou e os projetos executados com êxito abrem portas para novos clientes e novos desafios – indicações dos nossos clientes são nossa maior estratégia de marketing”, conforme Julia, que lembra a sede seguinte do escritório ter sido justamente este imóvel onde hoje é a loja Angela Xavier. A entrada de Julia Feldmann, hoje Graeff, no Marion Feldmann Arquitetura marcou também a mudança da empresa para um edifício comercial, no Bairro Moinhos de Vento, endereço atual.

Julia, arquiteta e psicóloga, diz que o escritório vem há décadas apostando na interface entre arquitetura e emoções. Com base na neuroarquitetura, que estuda a influência causada pelos ambientes em nossas emoções e na nossa qualidade de vida, afirma que “as edificações têm um impacto em como as pessoas se sentem, se comportam e interagem; em última instância, o belo induz o bem.” A jovem arquiteta aborda uma questão obrigatória neste momento, relacionando os efeitos da quarentena com a nossa percepção da casa, do home office, vivência que tornou mais agudo esse impacto: “As pessoas estão valorizando seus lares de forma não antes vivida. Esta é a grandeza do nosso desafio como arquitetos”, resume a arquiteta.

 

Escrito por
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