Quando uma fachada muda uma rua

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Remodelação da loja Gobbi Novelle pela AT Arquitetura trouxe um sopro de contemporaneidade ao entorno

Uma das intenções sempre realizadas nos projetos da AT Arquitetura é impactar o cenário urbano no qual se inserem. É exatamente o que acontece com a grande fachada da Gobbi Novelle, na Rua Quintino Bocaiúva, 890, área que concentra várias lojas do mesmo segmento na capital gaúcha. Impossível passar por ali e não ter o olhar atraído pela inusitada superfície branca com recortes geométricos, que mudou a rua. Para melhor, claro.

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O escritório foi contratado para orquestrar a ampliação da loja de móveis e decoração, que está no mesmo endereço desde sua inauguração, em 1998, sendo que o projeto deveria incorporar o imóvel vizinho. Já havia algum tempo que os proprietários Simone Gobbi e Everton Viezzer sentiam a necessidade de contar com um espaço maior, e quando surgiu a oportunidade de adquirir a casa ao lado, não perderam tempo.

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“Uma de nossas características foi sempre manter ambientes montados, oferecendo aos clientes a ideia exata da aplicação dos móveis, tapetes e acessórios, mas nossa área, que era de 600 metros quadrados, limitava o que podíamos expor”, diz Simone. Com a ampliação, que praticamente dobrou as dimensões da loja, agora com 1.065 metros quadrados, além de mais ambientes e produtos, novos fornecedores foram acrescentados aos habituais.

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Além disso, depois de quase vinte anos de atuação, o casal queria uma remodelação capaz de marcar o início de uma nova etapa, mais madura, renovando conceitos, mas mantendo sua identidade. Dito isso, carta branca foi dada aos arquitetos da AT, Maurício Ceolin, André Detanico e Tarso Carneiro, para que apresentassem um projeto. “Foi aceito de primeira, sem necessidade de ajustes ou alterações”, conta a proprietária.

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Obra em quatro movimentos

Trabalho de fôlego, o projeto foi iniciado em junho de 2015 e as obras, no mês de setembro do mesmo ano, estendendo-se por dez meses, realizadas em quatro etapas, sempre com a loja em funcionamento. “Foi um desafio e tanto!”, lembra Maurício, explicando que a reforma foi iniciada pelos 465 metros quadrados da casa incorporada.

Além da construção de lajes, todas as divisórias, nos dois prédios, foram eliminadas, sendo mantidas unicamente aquelas indispensáveis à segurança da estrutura do conjunto. Molduras que adornavam o forro da loja original, papéis de parede e lustres pendentes foram deixados para trás. “Queríamos começar a escrever uma nova história, aproveitando a maturidade que duas décadas no mercado nos deram”, garante Simone, feliz com o resultado da mudança.

Desenho exclusivo

A AT foi buscar no encanto dos icônicos e brasileiríssimos cobogós a inspiração para criar a fachada da loja. “Grande parte dos clientes da Gobbi Novelle são arquitetos, por isso, tentamos encontrar um elemento que pudesse representar esse universo”, diz Maurício. São 185 painéis de 1,50m X1,50m em metal branco recortado a laser, seguindo desenho criado exclusivamente para o projeto. “É um só padrão que se repete em quatro diferentes posições, formando o grande mural, responsável por traduzir a personalidade da loja; é a arquitetura que se transforma em identidade”, sintetiza.  A exclusividade permite que a Gobbi Novelle aplique o desenho em impressos e outro materiais que desejar. Em seu evento de inauguração, por exemplo, reproduziu-o em alguns dos doces servidos aos convidados.

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Segundo Maurício, além da estética, os painéis recortados têm uma função prática, “protegendo os móveis e objetos expostos do excesso de luz, característico da orientação oeste da fachada”. Por outro lado, o trajeto do sol ao longo do dia cria diferentes efeitos de sombra no interior da loja, oferecendo um espetáculo literalmente caleidoscópico. A cor branca da fachada foi eleita por já representar a identidade da Gobbi Novelle.

E a vitrine, onde está a vitrine?

Mas quem disse que é preciso ter uma quando o nome da loja está consolidado no mercado e o padrão dos produtos que disponibiliza é largamente conhecido de seu público? Foi com essa certeza que a vitrine foi eliminada do projeto. Maurício explica que a ideia foi oferecer “uma novidade marcante ao entorno, gerando também curiosidade, aguçada pela ausência de vitrine”.

Em toda a fachada, apenas uma abertura de 4,50m x 1m por não é coberta pelos painéis de metal vazado. “Sua função é de vitrine em sentido contrário, para quem está dentro da loja ter uma visão da rua e não o contrário”, esclarece o arquiteto. Do local, também é possível acompanhar o movimento no estacionamento em frente à loja, que comporta oito carros.

Eis que surge um porém: quem acompanha a Gobbi Novelle ao longo de sua existência sabe que uma de suas características sempre foi a utilização das vitrines para comunicar-se com seus públicos. Sem problema: mesmo sem elas, a tradição continua. Com a renovação, a tarefa passa a ser da própria fachada, que ganha iluminação diferente de acordo com o momento. No Outubro Rosa, ficou pink, no atentado à boate Bataclan, na França, foi coberta com as cores da bandeira francesa, de verde na tragédia com o Chapecoense, e assim por diante. A Gobbi Novelle continua dizendo que está atenta ao mundo, só que de uma maneira mais contemporânea.

Caminho de surpresas

Passado o impacto da fachada, é hora de entrar. “Propusemos uma combinação de camadas formando um percurso gradual de acesso, num passeio que leva do espaço público até o interior da loja”, diz Maurício.

Depois de circundar o tronco de um grande pínus, herdado juntamente com o imóvel incorporado, chega-se à porta pivotante em vidro e alumínio percorrendo um corredor em rampa, atrás da fachada. Seu piso é brindado pelo jogo de luz e sombra que escapa através dos painéis recortados, dando boas-vindas aos visitantes. No caminho, a entrada de serviço, coberta por um painel de vidro e alumínio, se mimetiza com o prédio e passa praticamente despercebida.

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Aberta a porta, chega-se ao primeiro dos muitos ambientes montados, e a um largo corredor que distribui a circulação. De um lado, a sala da gerência e dos vendedores e a da proprietária, do outro, um convidativo bar, em cuja bancada, doces, bombons e café estão sempre disponíveis. Em frente a ele, foi criada uma área de exposições temporárias, que podem ser de produtos, fotografias, design, etc. No dia em que visitamos a loja, por exemplo, cinco cadeiras da linha Revive, da italiana Natuzzi, estavam confortavelmente expostas ali, sem nenhum prejuízo à circulação.

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Bem setorizado, é o único espaço da loja que tem paredes em cinza escuro, todas as demais são brancas.  Igualmente, o piso é diferenciado, em carpete, enquanto no restante da loja a escolha recaiu sobre porcelanato 0,80cm x 0,80cm, na cor concreto.

É nesse ponto que a elevação do olhar permite obter a dimensão exata do projeto. Avista-se o grande salão, com seus inúmeros ambientes de estar e jantar, ao qual se chega por um pequeno desnível de quatro degraus revestidos em mármore branco. A iluminação é toda em LED, em aconchegantes tons quentes, com trilhos direcionáveis embutidos em sancas, compondo com a proposital neutralidade de teto, paredes e piso.

No fundo da loja, outro espaço setorizado se destaca. Com piso em porcelanato, que lembra madeira, funciona como mais um ambiente do showroom, mas eventualmente é palco de pequenos eventos ou recepções. Este mesmo piso segue até o jardim lateral, que cobre toda a extensão da loja, e, tem uma bonita parede verde. Ambientes interno e externo se ligam por uma janela que vai do piso ao teto, aberta em dias de festa. No restante do jardim, que pode ser apreciado também de outros dois janelões dispostos ao longo do salão, o seixo rolado é intercalado por um caminho de basalto. Os três grande panos em vidro garantem luz natural a toda essa ampla área da loja.

Para atender as exigências de funcionalidade, escondendo a fiação e possibilitando eventuais mudanças nas instalações elétricas de forma prática, os arquitetos optaram por elegantes rodapés com 0,45 cm de largura.

Gobbi Corporativo

Os pisos superiores dos dois prédios, o original e o incorporado, foram mantidos separados. Enquanto o primeiro, com cerca de 50 metros quadrados, serve como depósito, o segundo, medindo 120 metros quadrados, foi especificamente projetado para receber a Gobbi Corporativo, voltada mercado empresarial, de escritórios e áreas comerciais, que anteriormente funcionava em outro endereço. “Com mais espaço, achamos mais conveniente mantermos as duas operações próximas”, conta Simone.

Além de mostruário de cadeiras e de estações de atendimento, o espaço comporta a sala de trabalho de Eduardo Viezzer, responsável pelo comando da divisão corporativa, e um confortável longe.

Os quatro primeiros degraus das duas escadas que levam aos pisos superiores foram revestidos em mármore branco, a exemplo daqueles do desnível que liga a entrada da loja ao showroom. Os demais, em ambas, receberam cobertura no mesmo carpete do corredor de entrada e do ambiente corporativo.

O vão sob a escada que liga ao corporativo abriga os mostruários de tecidos e revestimentos, e recebeu iluminação especial com índice de reprodução de cor (IRC) próximo a 100, facilitando a escolha para os clientes.

A AT Arquitetura

O escritório foi criado em 1985, inicialmente dedicado ao design de móveis. Hoje, seu foco se volta aos nichos comercial e de edificações. Os sócios, arquitetos Maurício Ceolin, André Detonico e Tarso Carneiro, definem seu trabalho como “arquitetura em toda dimensão, desde a estratégia até a conclusão da obra, com linguagem predominantemente contemporânea”.

São da AT Arquitetura os recentes projetos do campus da Universidade do Vale do Sinos em Porto Alegre, na avenida Nilo Peçanha, 1640, dos restaurantes Sakura, o mais recente no Shopping Iguatemi, e da sede da Unicred, na rua Venâncio Aires, 1053, todos na capital gaúcha.

Os cobogós

Criados em Recife, ainda na década de 1920, os cobogós ganharam a estrada pela mão do mestre modernista Lúcio Costa, que foi um de seus grandes divulgadores. Originalmente produzidos em tijolo e cimento, e depois em cerâmica e outros materiais, os cobogós se tornaram mais populares principalmente a partir da década de 1950.

As superfícies artisticamente vazadas apresentam duas características muito apreciadas e que voltam a merecer atenção em tempos de sustentabilidade à flor da pele. Além de permitirem a passagem da luz natural, proporcionam excelente ventilação.

Curiosamente, os cobogós são uma obra multinacional, assinada pelos engenheiros Amadeu Oliveira Coimbra, português, Ernesto August Boeckmann, alemão, Antônio de Góis, brasileiro. Juntaram-se os três, e para dar nome à sua criatura cederam-lhe, cada um, a primeira sílaba de seu sobrenome: Coimbra, Boeckmann e is. Estava nascido e batizado o cobogó!

Algumas fontes registram como inspiração para o trio os muxarabis, painéis árabes em madeira recortada, trazidos ao Brasil pelos portugueses. Sua função original? Resguardar as mulheres dos olhos masculinos.

(Crédito das fotos Marcelo Donadussi/Divulgação, à exceção do detalhe noturno, de Eleone Prestes)

 

 

 

 

 

 

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