A bandeira da peça assinada, de preferência concebida com um toque artesanal, amplia a presença nas coleções das indústrias. Beleza, funcionalidade e identidade. Esse tripé que resume as características do design faz parte de um movimento de invasão do bem nas feiras de mobiliário e décor nacionais, mesmo entre aquelas que surgiram e se mantêm com foco comercial. De forma segmentada ou diluídos entre o mix de produtos nacionais e importados, os produtos assinados principalmente made in Brazil estão se consolidando como o diferencial para as marcas se posicionarem e disputarem clientes com maior poder aquisitivo. Isso significa que podem ser iniciativa das próprias feiras ou das empresas individualmente, o fato é que a presença do design assinado consiste no atrativo para o que esse mercado chama de “alta decoração”. As edições de lançamentos da temporada de verão em São Paulo comprovam o comportamento.
ABIMAD
Há profissionais que adubam essa cultura como os designers que trabalham como diretores criativos e curadores. A designer Marta Manente é um desses casos. Por 20 anos atua no setor moveleiro, há 15 assessora indústrias e uma feira do mercado nacional e começou fazem cinco anos a participar de feiras internacionais com seu trabalho de design.
– O design autoral faz com que os produtos não tenham semelhança de visual e preço equivalente, gerando margens maiores. E o olhar apurado de um profissional ao fazer uma curadoria fortalece a identidade da marca e faz com que uma coleção de produtos tenha harmonia em todas as peças, mesmo sendo assinadas por diferentes designers – ensina Marta, que poderia ter dito ainda que a sua assinatura agrega valor ao produto que leva a sua grife.
Na 29ª Abimad, realizada de 4 a 7 de fevereiro, a designer estreou com móveis para áreas externas. Coleções outdoor foram uma das tendências desta feira de verão, com criações em tramados e vazados em destaque. Seus icônicos balanços farão parte em abril do estande da Modalle, no Salone del Mobile Milano e, em maio, do espaço de Marta Manente na ICFF, em Nova York, com a versátil Coleção Maré.
Sergio Batista é outro designer que teve móveis de sua criação expostos na Abimad e que embarcarão em breve para o Salone del Mobile Milano, de 16 a 21 de junho, durante a Milan Design Week. Um percentual elevado de aproximadamente 80% do mobiliário apresentado pela marca Uutis na feira era de autoria do designer. Sergio foca em criar peças que atendam não só a estética, mas a relação custo benefício, pensando na escala de produção.
– Às vezes, você vê um produto finalizado à venda e acha lindo, mas era mais bonito ainda no projeto original, mas, por questões de custo se alterou, mas ainda é bonito – ressalta, demonstrando que a criatividade pode contribuir para o desempenho da indústria.
Para o presidente da Abimad, Michel Otte, há cinco anos a presença do design se intensificou. Na edição de verão da feira realizada pela associação de indústrias havia perto de mil lançamentos entre mobiliário e acessórios. Estima o empresário que “50% desse total veio com a assinatura de algum profissional”. Otte avalia que “as empresas brasileiras vêm trilhando o caminho da profissionalização” do qual fazem parte produtos e espaços das feiras assinados por profissionais experientes:
– Dessa forma, as marcas que expõem seus produtos na Abimad vêm ano a ano se aproximando da excelência de mercados como o italiano, alemão e sueco, mantendo a criatividade brasileira.
Michel Otte está à frente da Butzke e vem implantando na indústria o DNA do design assinado que criou a identidade da marca.
ABUP HOME & GIFT
Na 40ª Home & Gift e 9ª Têxtil & Home, realizada pela Abup de 14 a 17 de fevereiro, o design autoral e o artesanato ligado à cultura popular têm cada vez mais espaços setorizados na feira. O empresário Marco Pulcherio, da Marco 500, foi o precursor desse movimento explícito, com um trabalho de curadoria e empreendedorismo que valorizam a arte popular brasileira e tanto as criações de design quanto o trabalho de designers para qualificar e ajudar o artesão. Sua estimativa é de que mais de 100 designers participaram da recente edição da feira dentro de núcleos específicos e fora deles.
O empresário levou para a Abup o Projeto Célula, hoje na quinta edição, com a curadoria de Cristiane Rosenbaum. E “a Abup nos trouxe o desafio de fazer uma outra curadoria, para designers que estão começando e querendo entender o mercado do atacado”. Foi criado o Núcleo DA – Design Autoral, nesta edição com 32 designers que expuseram peças exclusivas e originais. Para acolher esse grupo de expositores, o designer e arquiteto Samuel Angelo projetou os estandes padronizados.
Como se não bastasse, a Abup acolheu criações da Semana Criativa de Tiradentes, um projeto que une artesãos e designers, com trabalho ao longo do ano que depois são expostos durante quatro dias. Para a Abup, vieram criações feitas ao longo de 2019 com a ADP – Associação de Designers de Produto, uma entidade sem fins lucrativos criada para aproximar empresas, profissionais e estudantes.
Todo esse movimento vai ao encontro do viés comercial do evento, faz questão de ressaltar Marco Pulcherio, apesar de a feira estar “ampliando de forma muito consistente o design autoral dentro da Abup”.
– A importância do design autoral para o mercado é total porque, com a ação do designer na concepção do produto, as questões estéticas de proporção, volume, funcionalidade, são solucionadas: devagar a indústria está percebendo que ganha tempo, ganha terreno quando tem um profissional experiente junto com ela na concepção do produto. Como percebe que a performance da empresa vai melhorar, aquele investimento que seria tido como um encarecedor se torna um aliado – diz Marco Pulcherio.
– O artesanato é um frescor e pessoas que antes torciam o nariz, hoje dão maior valor, querem saber as histórias, querem ter uma peça do Jasson: levamos ele para Milão (uma cadeira) para o Fuori Saloni. Foi aclamado, um artesão que dá entrevista por onde passa, todo mundo quer tirar foto. Mora no sertão do Alagoas, perto do rio São Francisco, demora duas horas e meia para chegar na casa dele. Tem que vir plástico- bolha de Arapiraca, a 200 quilômetros, para proteger uma peça dele até a chegar um grande centro.
Contudo, Marco diz que tem a “maior cautela” para evitar que esses trabalho se tornem moda, porque “estamos falando de culturas, gerações inteiras que executam uma peça dessas com a alma”. A participação do designer ocorre mostrando caminhos para o artesão, porque detém “o domínio sobre a informação e o exercício estético e até dar um palpite de uma boa embalagem ele pode dar, mas quem entende da técnica é o artesão”. Dá exemplos do trabalho do designer Sergio J. Matos no Amazonas e Renato Imbroisi na Serra da Capivara.
A Abup tem feito incursões dentro de eventos internacionais apresentando design e artesanato para o mercado exterior. Recentemente, fechou contrato com a Apex, em projeto batizado de Ambience Brazil e por meio dele levou 12 empresas brasileiras a Frankfurt, de 7 a 11 de fevereiro, na feira Ambiente. Antes haviam ido à Maison 7 Objet, em Paris e à Semana de Design de Milão.
– O artesanato é um dos pontos de interesse da Apex, justamente porque está levando nossa cultura de raíz para fora – resume Marco Pulcherio.
PARALELA DESIGN
Realizada em arquitetura exemplar de Oscar Niemeyer, antes no Pavilhão da Bienal e nesta 37ª edição de 12 a 14 de fevereiro na Oca, parte do conjunto arquitetônico do Parque Ibirapuera, em São Paulo, a Paralela Design teve desde o começo um DNA de design autoral. A curadora Marisa Ota conta que no começo a motivação foi um projeto em que estava envolvida chamado “design solidário Brasil – Holanda, a convite do museu A CASA, e o propósito era viabilizar comercialmente este projeto de produtos criados pelos alunos da academia de Hoven, da Holanda, e produzidos aqui no Brasil”. O diferencial da feira estabelecida desde então é trabalhar com autores, designers, peças e projetos de designers, com foco no trabalho autoral em uma proposta mais conceitual e orgânica do que as demais.
Para este momento do design assinado no Brasil, Marisa Ota, apesar de saber a importância de trabalhar com empresas na produção de peças de design, destaca características como a liberdade de produzir um projeto pessoal e não apenas sob demanda ou biefing: há a “demanda de um mercado em movimento: existe um público que não conhecia design, que é de uma geração mais nova, mas que consome e valoriza esse trabalho e existe o novo mercado de economia criativa, que valoriza a criação”.
Marisa Ota ressalta que há sentimento, história em cada trabalho que toma contato nas visitas a ateliês no processo de sua curadoria da feira. E ao lado da valorização do trabalho manual há também a questão da tecnologia: “As máquinas estão produzindo coisas tecnológicas muito mais rápido, substituindo as mãos nesse processo, gerando então um mix e também essa valorização de resgate do artesanato, de trazer o trabalho feito à mão (o bordado, o crochê, o traçado), toda essa riqueza”.
Nesta edição, participaram mais de 15 nova marcas e a curadora tirou um projeto da gaveta, de um núcleo dentro da Paralela, o Katachi (Forma, em japonês) para apresentar artistas novos:
– Para mim, é um prazer imenso colocar essa moçada no mercado e ajuda-los a se posicionar de maneira que valorize o trabalho. Isso é um desafio e eu adoro fazer isso.
De outro lado, participou desta edição da Paralela o veterano curador e empresário Elcio Lima mostrando em produtos de designers uma história de décadas. A sua vocação em identificar designers talentosos e criar um time de nomes que criam superfícies estampadas em porcelana e vidro, principalmente, mostra uma das possibilidades de um trabalho com curadoria em um universo cada vez mais valorizado. O mercado quer saber quem fez, com quais materiais e a história por trás da aparência do produto.
(Este post também é encontrado no archtrends.com da Portobello)